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Honesta por Decreto !

"Roma locuta est, causa finita est."
[Roma falou, o assunto está encerrado]
S. Agostinho, Sermões 131.10

21 de abril de 2002
Amilcar Brunazo Filho

artigo publicado também em:
Jus Navegandi e Consultor Jurídico

Artigos e Textos do
Voto Eletrônico


       A imprensa brasileira, de forma unânime, informou que o STF deixou de analisar o "mérito" da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIN, apresentada por alguns Partidos Políticos contra a Resolução 20.993/02 do Tribunal Superior Eleitoral, referente a verticalização das coligações partidárias.
       Ora, não cabia ao STF julgar o "mérito da questão", ou seja, se a obrigatoriedade da verticalização das coligações era ou não a interpretação correta da lei, tarefa esta inerente ao TSE. Cabia ao STF apenas verificar se na tal resolução o TSE ultrapassara o seu direito constitucional de interpretar a lei eleitoral, passando a emitir normas legislativas autônomas.
       Nesta ADIN "das coligações", os Partidos autores afirmavam que o TSE exorbitara seus direitos constitucionais de interpretar normas legais e praticara atos legislativos completos que, então, seriam passíveis de denúncia de inconstitucionalidade. No julgamento, os ministros do STF decidiram que o TSE havia ficado dentro de seus limites legais e desta forma a ADIN não era aplicável.
       Mas, se ocorrer do TSE ultrapassar seus limites constitucionais emitindo instruções e resoluções nas quais ele legisla de fato?
       Decidirá o STF pela anulação de tal resolução, a princípio, inconstitucional?

       Analisemos a Instrução 61 do TSE, que "dispõe sobre os atos preparatórios, a recepção de votos e as garantias eleitorais para as eleições", que é reeditada a cada eleição, com algumas modificações, por meio de resoluções. Instruções similares a esta instrução 61 foram publicadas por meio da Resolução 20.105/98 em 1998, da Resolução 20.563/00 em 2000 e agora em 2002 pela Resolução 20.997/02 de 26-02-2002 do TSE.
       Dentro do tópico "Garantias Eleitorais" está o artigo que nos interessa e que aborda a questão da inviolabilidade do voto.
       A inviolabilidade do voto é um direito e garantia fundamental de nosso ordenamento jurídico e institucional que é estabelecida pela Constituição da República em seu Art. 14, juntamente com o voto universal e equalitário:

"Constituição da República Federativa do Brasil
Título II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Capítulo IV
Dos Direitos Políticos
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei"

       A inviolabilidade do voto é um conceito forte, pilar da democracia moderna, que não pode ser derrubado nem mesmo por um juiz, por quaisquer razões processuais.
       Em nível hierárquico inferior à Constituição existem as leis de natureza eleitoral como a Lei 4.737/65 de 15 de julho de 1965, conhecida como Código Eleitoral, e a Lei 9.504/97 de 30 de setembro de 1997. Estas leis podem complementar a Constituição mas não contrariá-la ou reescrevê-la.
       A respeito do sigilo do voto e a mecanização do voto o Código Eleitoral diz

"Código Eleitoral - Lei 4.737/65
Art. 2o Todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas
Art. 82. O sufrágio é universal e direto; o voto, obrigatório e secreto.
Art. 103. O sigilo do voto é assegurado mediante as seguintes providências
I - uso de cédulas oficiais em todas as eleições, de acordo com modelo aprovado pelo Tribunal Superior;
II - isolamento do eleitor em cabina indevassável para o só efeito de assinalar na cédula o candidato de sua escolha e, em seguida, fechá-la;
III - verificação da autenticidade da cédula oficial à vista das rubricas;
IV - emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente ampla para que não se acumulem as cédulas na ordem em que forem introduzidas.
Art. 152. Poderão ser utilizadas máquinas de votar, a critério e mediante regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral.
Art. 220. É nula a votação ... quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios"
Os artigos 2 e 82 do Código Eleitoral apenas repetem o disposto na Constituição, isto é, asseguram a inviolabilidade do voto. Já o artigo 103 acrescenta, nos seus 4 incisos, como a garantia da inviolabilidade se dá por meio de uso de cédulas (em branco, sem identificação do eleitor e autenticadas), voto em cabina indevassável e urna larga na qual os votos se embaralhem ao cair.
       Estes incisos são conjuntivos, isto é, devem todos serem atendidos simultaneamente, e fica fácil para um eleitor comum entender como se dá a garantia do sigilo do voto. Sempre que ele, de dentro de uma cabina indevassável, anotar seu voto em uma cédula em branco, onde a não exista nada que o identifique, e depositar seu voto numa urna larga o suficiente para embaralhá-los, entenderá claramente que não será possível se identificar o voto, mesmo que um juiz, posteriormente, ordene o contrário.

       A Lei Eleitoral 9.508/97 institui o uso da urna eletrônica na coleta e totalização de votos. A respeito do sigilo do voto a lei impõe

"Lei 9.508/97 Art. 61. A urna eletrônica contabilizará cada voto, assegurando-lhe o sigilo e inviolabilidade, garantida aos partidos políticos, coligações e candidatos ampla fiscalização."
É uma norma clara. A máquina de votar terá que garantir tecnicamente a inviolabilidade do voto, tendo os partidos políticos direito amplo à fiscalização para verificarem se esta condição é atendida pelo equipamento utilizado.
       De acordo com o Art. 152 do Código Eleitoral o TSE pode mecanizar o voto. Em 1995 o TSE decidiu desenvolver o sistema informatizado de coleta de votos que mais tarde ganhou o nome inapropriado de urna eletrônica. Acontece que o TSE optou por um sistema no qual o voto materializado, em papel ou de qualquer outra forma, foi simplesmente eliminado.

      

Aqui cabe um esclarecimento. Informatizar eleições não significa obrigatoriamente eliminar o voto materializado. Na grande maioria das máquinas de votar em teste em outros países, o voto materializado continua a existir apesar da informatização do processo. Por exemplo, na França, neste ano de 2002, será feito um teste de automação do voto mas no sistema escolhido continua existindo o voto materializado, em cartão eletrônico, de forma a permitir a recontagem dos votos. Outro exemplo é o sistema proposto pela comissão conjunta do MIT e Caltech nos EUA que, depois de analisar o problema eleitoral em 2000 na Flórida, considera a existência do voto materializado, em papel ou em cartão, parte necessária e fundamental para confiabilidade do sistema.

       Como se disse, no sistema adotado pelo TSE o voto materializado deixou de existir e passou a ser 'virtual'. Este voto virtual é imediatamente apurado e descartado, de forma que não há possibilidade de conferência da apuração pois não sobram os votos para recontar. Como conseqüência, a função da urna, caixa na qual se guardavam os votos, também deixou de existir mostrando porque o nome da máquina do TSE é inadequado. Mas a mais grave conseqüência disto é que a máquina de votar do TSE não atende três dos quatro incisos do Art. 103 do Código Eleitoral, que deveriam ser atendidos todos simultaneamente.
       Tendo construído um sistema eleitoral fora-da-lei, que poderia ser contestado judicialmente inviabilizando o seu uso, o TSE optou por resolver o problema mudando a lei em vez de corrigir o seu sistema!
       É aqui que surge a Instrução 61 do TSE que dispõe sobre as garantias eleitorais. Na sua última versão, a Resolução 20.997/02, modifica o Art. 103 do Código Eleitoral da seguinte forma

"Resolução 20.997/02 de 26-02-2002, Instrução 61 do TSE Art. 63. O sigilo do voto é assegurado mediante as seguintes providências
I - uso de urna eletrônica e, se for o caso, de cédulas oficiais;
II - uso de sistemas de informática exclusivos da Justiça Eleitoral;
III - isolamento do/a eleitor/a em cabina indevassável para o só efeito de indicar, na urna eletrônica de votos ou na cédula, o/a candidato/a de sua escolha ;
IV - verificação da autenticidade da cédula oficial à vista das rubricas, se for o caso;
V - emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente ampla para que não se acumulem as cédulas na ordem em que forem introduzidas (Código Eleitoral, art. 103, I a IV).
Parágrafo único. É nula a votação quando preterida formalidade essencial do sigilo do sufrágio (Código Eleitoral, art. 220, IV)."
Notável diferença! Mudança de tempo verbal.
       Enquanto a Lei 9.504 fala que a "urna contabilizará o voto assegurando-lhe o sigilo" a resolução decreta impositivamente que "o sigilo é assegurado pelo uso da urna eletrônica".
       Enquanto na lei, a inviolabilidade do voto é um dever a ser atendido e demonstrado pela máquina de votar, na resolução é posta como um atributo nato.
       Com a resolução do TSE, a urna eletrônica passa a ser HONESTA POR DECRETO !

       Outra característica negativa deste Art. 63 da resolução é que seus incisos viraram uma salada de cláusulas conjuntivas e disjuntivas, isto é, algumas devem ser atendidas em conjunto (simultaneamente) e outras exclusivamente. Por exemplo, se atende ao inciso I da resolução (uso da urna eletrônica) deixa de atender obrigatoriamente ao inciso IV da resolução e da lei (emprego de urna que embaralhe os votos).
       Este inciso I da resolução tem, ainda, o dom de tirar do eleitor qualquer possibilidade de entender como se dá a garantia da inviolabilidade do seu voto.
       Que eleitor comum saberia explicar corretamente de que forma se garante a inviolabilidade do voto na urna eletrônica se, no mesmo instante e mesmo equipamento em que ele vai digitar o seu voto, o mesário digita o seu número de identificação?
       Desde o primeiro uso da máquina de votar em 1996, o TSE tem mantido secreto a maior parte dos programas de computador utilizados na urna eletrônica, inclusive a parte que é feita pelo CEPESC, órgão da ABIN, agência de informação do governo federal. Sem conhecer TODOS os programas das máquinas de votar, ninguém honesto e competente pode afirmar que a inviolabilidade do voto está tecnicamente garantida. E, assim, nenhum eleitor, verdadeiro titular do direito ao sigilo do voto, tem condições de saber se o sigilo do voto é garantido mesmo ou não.
       Como disse o Procurador da República Celso Antônio Três

"De que vale um poder, uma prerrogativa, desprovido dos instrumentos necessários à sua efetivação?!?!? Soberano que não é instrumentado a fiscalizar o exercício de sua soberania não é soberano."
      Finalmente, deve-se considerar também que o TSE não tem poder de modificar e reescrever a lei. O Art. 63 da Resolução 20.997/02 efetivamente modifica o Código Eleitoral, o qual impunha a existência de voto materializado (cédula eleitoral) e o seu depósito em urnas largas. Já o inciso I, alterado na resolução do TSE, elimina o voto materializado e a urna. Isto é, de fato, MUDAR A LEI e não apenas interpretá-la, que é o que cabe ao Poder Judiciário.

       Voltando ao início deste artigo e a discussão sobre se cabe ou não ADIN sobre resoluções do TSE, pergunto aos juristas

Se não for a ADIN, que outro instrumento legal teriam os partidos e eleitores para se defenderem quando o TSE emite normas legais, exorbitando seus poderes por sobre o Poder Legislativo?
      Diga-se, outrossim, que o STF tem entre seus membros uma grande maioria de magistrados que são ou foram do TSE, onde já aprovaram instruções similares à instrução 61 do TSE que abordamos ao longo deste artigo.
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