Jornal do Voto-E

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Joinville, 10 de Julho de 2000

Segurança de urnas eletrônicas questionada
Flávio de Sturdze

[Página original]

Enquanto o TSE descarta possibilidade de fraude, projeto no Senado quer mudar sistema de voto informatizado

Na véspera da primeira eleição totalmente informatizada no Brasil, a alegada inviolabilidade da urna eletrônica é questionada por setores da sociedade. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proclama a segurança do sistema, os integrantes do Fórum Nacional do Voto Eletrônico afirmam que ele apresenta uma série de falhas, que poderiam dar margem à adulteração de dados.

Mais enfático, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) vê "grandes possibilidades de fraude" no processo. Ele apresentou projeto no Senado propondo modificações na configuração atual, por entender que "um sistema que não permite conferência das informações não é confiável".

Evitando comentar a posição do senador, o secretário de Informática do TRE de Santa Catarina, Carlos Camargo, se diz tranqüilo quanto ao risco de fraudes ou adulterações em qualquer etapa do processo, lembrando que "não há nenhum registro até hoje desse tipo de ocorrência". Primeiro, porque todos os dados contidos na urna são criptografados (codificados). "O programa (software) é conhecido apenas pelas pessoas que o desenvolveram para o TSE e o dado criptográfico é restabelecido por outro sistema da Justiça Eleitoral. Quem conhece o software não tem a senha que permite a descriptografia", explica.

Além disso, depois de carregada, a urna é lacrada, o que garante a integridade dos dados e sua inviolabilidade, afirma. O horário de funcionamento da urna eletrônica - das 7h30 às 17 horas do dia da votação - também não pode ser alterado, segundo Camargo, pois ele será previamente configurado. "Nem o mesário, de posse da senha para ativar o programa, terá condições de antecipar a votação ou encerrá-la antes do horário previsto", assegurou. Concluída a votação, imediatamente é impresso o boletim de urna, e o mesário retira o disquete com o resultado da votação em meio magnético, que será encaminhado à central de totalização da zona eleitoral. Os dados do boletim e do disquete poderão ser confrontados, mas só no final da totalização.

No caso de uma avaria no disquete, os dados podem ser recuperados na memória interna da urna mediante a introdução de novo disquete, assegura. Da mesma forma, se ocorrer "falha irrecuperável" da urna durante a votação, o processo terá continuidade com cédula convencional. Camargo ressalta que "não existe caso de avaria na urna que impeça a recuperação dos dados", pois ela é dotada de "vários mecanismos internos de proteção física". Assim, para ocorrer uma fraude na votação, "deveria haver uma conjugação de fatores, envolvendo eleitor, mesário e Justiça Eleitoral", circunstância que Camargo considera "impossível". Ele vê com ceticismo a proposta de Requião de também imprimir o voto no papel, para conferir com o eletrônico. "Não faz sentido. Era justamente a manipulação do voto convencional que favorecia a fraude, então estaríamos regredindo", observa.

Engenheiro aponta falhas na produção do programa

O engenheiro Amílcar Brunazo Filho, de Santos (SP), especialista em segurança de dados em informática, questiona desde 1996 a "pretensa" segurança do sistema de votação eletrônica e assessorou o senador Roberto Requião (PMDB-PR) na elaboração do seu projeto de lei modificando o processo. Embora reafirme "nunca ter dito que houve fraude" na votação eletrônica, ele sustenta que há "muitas falhas" de segurança na produção do software que poderiam levar a isso.

Segundo Brunazo, moderador do Fórum Nacional do Voto Eletrônico, em que cerca de 150 profissionais de várias especialidades discutem o processo via Internet, desde 96, enquanto a urna eletrônica eliminou uma série de fraudes que eram cometidas por falhas na fiscalização no sistema tradicional, o equipamento eletrônico é passível de fraudes eletrônicas. "Basicamente, bastaria colocar um programa viciado na urna", alerta, observando que, em 90% dos casos, as grandes fraudes eletrônicas "foram feitas ou facilitadas por gente de dentro". Ele aponta que os programas da eleição foram elaborados por "funcionários do TSE ou pessoal terceirizado contratado para a tarefa" e "não houve fiscalização adequada", já que os partidos não tiveram acesso ao software básico (sistema operacional) nem à "biblioteca de segurança" (que faz a criptografia dos disquetes). "Isso o TSE recebe pronto e não mostra aos fiscais. Então, existem partes do programa que os partidos não conhecem, ficando a validação incompleta", ressalta.

Outra falha apontada por Brunazo diz respeito à certificação. "Não se tem certeza de que o programa validado é o mesmo que será carregado na urna". Ele alega que o teste de urna não é adequado. "Os partidos vão poder testar 3% das urnas no dia da lacração, cerca de uma semana antes da votação. Mas o que será testado é uma urna preparada, que depois será recarregada para a votação, e pode ser com outro programa", explicou.

Para evitar possíveis fraudes, Brunazo propôs criar um mecanismo que permita conferir o voto - que é o principal ponto do projeto de Requião. "A solução técnica seria, simultaneamente ao processo eletrônico, imprimir o voto de cada eleitor. Ele cairia numa urna comum, e depois da eleição seriam conferidos os resultados de 3% das urnas, para verificar se há coincidência entre a votação eletrônica e a impressa", explicou. "Como são dois processos diferentes, não haveria possibilidade de ambos serem fraudados", argumentou.

Brunazo porém se disse "satisfeito" com as providências adotadas pelo TRE para evitar a eventualidade de uma perda de votos devido a uma pane na urna eletrônica. "Eles tomaram bastante cuidado neste ponto. Se faltar energia ou a urna apresentar qualquer defeito, o disco com memória permanente pode ser lido em outra urna e a votação prosseguir normalmente", admitiu.

Senador critica falta de controle

Principal crítico do atual sistema de votação eletrônica, o senador paranaense Roberto Requião (PMDB) afirma que o processo "não tem confiabilidade, pois não pode ser aferido" e por isso apresenta "grande possibilidade de fraude". Autor de um projeto, em tramitação no Senado, em que propõe que o voto do eleitor seja também impresso numa cédula, Requião entende que sem esta garantia "não há como se ter controle da eleição".

"Do jeito que o TSE elaborou o sistema, o eleitor nunca sabe se o voto que ele deu será o mesmo registrado no computador. Não dá tranqüilidade a ninguém, o TSE não mostra o programa, que é uma verdadeira caixa-preta", reforça. Seu projeto, aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, foi retirado três vezes da pauta, "a pedido do TSE", e deve ser votado em agosto. Requião propõe ainda, no projeto, que o eleitor não seja mais identificado na mesma urna. "Compromete o sigilo", argumenta.

A "briga" de Requião com o sistema começou na eleição de 1998 para governador do Paraná, quando ele pediu recontagem de algumas urnas eletrônicas, que apresentaram votação inferior à média que ele recebeu nas urnas convencionais da mesma zona. Como a recontagem é impossível nas eletrônicas, ele teve de se contentar com uma perícia. O resultado só saiu quase dois anos depois e constatou que elas não apresentavam problemas. (FS)


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