1. Histórico - a biometria nas eleições
Até 2005, a Justiça (e administradora) Eleitoral alardeava que seu sistema eletrônico de votação era 100% seguro e a prova de fraude quando, surpreendentemente, em abril de 2005 promoveu um seminário para anunciar um novo "Projeto Atualização do Cadastro de Eleitores" que utilizaria a biometria dos eleitores (impressão digital digitalizada) para acabar com o "último reduto da fraude eleitoral".
Com o peculiar ufanismo os ministros do TSE anunciavam:
Min. Carlos Velloso: "A urna eletrônica será aberta pela identificação biométrica (do eleitor). Isso impedirá que outra pessoa vote no seu lugar”.
Min. Peçanha Martins: “A última tentativa de fraude que precisa ser extirpada pela Justiça Eleitoral diz respeito à identificação do eleitor, que ainda permite, por exemplo, que em alguns municípios se pratique a fraude da substituição e até mesmo da ressurreição de eleitores”.
Em 2006 foram compradas as primeiras 25 mil urnas com sensor biométrico acoplado, as Urnas Biométricas a um custo unitário de $900 Dólares aproximadamente, mas em nota a imprensa o TSE anunciava que o custo para adaptação de suas demais 355 mil urnas eletrônicas seria de apenas $15 Dólares por unidade.
Mas esta estimativa estava totalmente errada. Até dezembro de 2010 foram compradas aproximadamente mais 370 mil urnas biométricas novas a um custo unitário médio de $750 Dólares, 50 vezes mais que o estimado.
Para fazer a coleta dos dados biométricos dos eleitores, o TSE comprou equipamentos chamados de Kitbio.
Kitbio completo com laptop, leitor de digitais,
máquina fotográfica e caixa de transporte
No final de 2007, o TSE comprou os primeiros 60 Kitbios que custaram mais de R$ 13.500,00 por unidade, o dobro do estimado inicialmente.
Em março e abril de 2008 iniciou-se o recadastramento biométrico de eleitores nas cidades de Colorado do Oeste (RO), São João Batista (SC) e Fátima do Sul (MS), com a coleta das impressões digitais dos 10 dedos e da foto digitalizada em alta resolução de cada eleitor. Em junho e julho ocorreram testes simulados com os próprios eleitores.
Finalmente em outubro de 2008 ocorreu a primeira eleição com biometria nessas cidades, sendo utilizadas apenas 100 das 25 mil urnas biométricas compradas.
Devido ao altíssimo custo, o TSE não efetuou o batimento biométrico, que é conferência on-line das impressões digitais dos eleitores já cadastratados, que teria que ser feita para evitar a duplicidade que gera os eleitores-fantasmas-biométricos.
Em 2010, o reconhecimento biométrico do eleitor foi extendido para mais 60 cidades em 23 Estados, atingindo 1,2 milhão de eleitores. Foram utilizadas apenas 3.000 das 380 mil urnas biométricas compradas até então.
Apenas 4 das 10 impressões digitais de cada eleitor eram usadas nas urnas biométricas. As demais são colhidas pelo TSE mas não são utilizadas.
2. Objetivos não Cumpridos
A propaganda oficial do administrador eleitoral sobre as urnas biométricas tem seguido o mote que seriam "as urnas eletrônicas mais modernas do mundo", desenvolvidas para acabar com o "último reduto da fraude eleitoral", quer dizer, com a possibilidade de um eleitor votar no lugar de outro.
Vejam, por exemplo, o texto oficial do TSE:
Voto Seguro
:: IDENTIFICAÇÃO BIOMÉTRICA DO ELEITOR
... merece destaque o desenvolvimento de Urnas Biométricas, que
processarão o voto a partir da identificação biométrica do eleitor. A
missão da Justiça Eleitoral brasileira é a de colocar nas mãos dos
brasileiros o futuro cada vez mais seguro para a democracia e levar o Brasil à vanguarda tecnológica dos processos eleitorais em todo o mundo.
... O objetivo desse cadastramento biométrico é excluir a possibilidade
de uma pessoa votar por outra, tornando praticamente impossível a fraude
ao procedimento de votação.
Porém, quase nenhum dos objetivos do uso na biometria nas eleições foi atingido como se lista a seguir:
- A Fraude do Mesário - quando este libera o voto em nome de um eleitor ausente - continua possível. Ver seção 3. A Fraude do Mesário abaixo.
- O titulo de eleitor com foto, chip e dados biométricos não foi implantado como prometido em 2005. O novo título dado aos eleitores que se recadastraram é idêntico ao anterior, isto é, sem foto do eleitor.
- O custo de adaptação de $15 Dólares por urna não foi cumprido nem de longe. Gastou-se 50 vezes mais que o orçado.
- Na eleição de 2010, a taxa de falhas no reconhecimento biométrico do eleitor foi 7%, muito superior a taxa prevista de 1%, revelando a baixa qualidade dos dados biométricos coletados.
3. A Fraude dos Mesários
Contrariando o objetivo de "excluir a possibilidade de uma pessoa votar por outra", a Fraude dos Mesários continua sendo possível mesmo com as urnas biométricas.
Essa modalidade de fraude consiste em se aproveitar a ausência de fiscais para inserir votos nas urnas-E em nome de eleitores que ainda não compareceram para votar.
Há, em média, 15% a 20% de abstenção de eleitores em nome dos quais se pode introduzir votos que, na gíria própria, "engravidam a urna". Isto viabiliza aos mesários colocarem muitos votos nas Urnas-E em nome de muitos eleitores ausentes.
Para tanto, basta liberarem o voto na urna-E pela digitação do número do eleitor ausente que se obtem na Lista de Votação impressa disponível em todas as seções eleitorais.
Na eventualidade de aparecer um eleitor em nome do qual já foi depositado um voto, o mesário contorna o problema digitando o número do eleitor seguinte na Folha de Votação. O eleitor poderá votar sem maiores problemas.
Uma curiosidade: mesmo mesários simpáticos a candidatos de partidos concorrentes poderão estabelecer um conluio, aceitando colocar um voto de cada vez para cada candidato. Os demais candidatos é que serão prejudicados.
As urnas com biometria não resolvem essa modalidade de fraude por causa do problema do "falso negativo".
Como a leitura de impressão digital do eleitor pode falhar por dezenas de motivos e como não se pode impedir eleitores legítimos de votar, é inevitável ter-se que prover ao mesário uma forma de liberar a urna para o voto de um eleitor legítimo que tenha sido recusado pela biometria na urna, como foi regulamentado na Resolução TSE 22.718/08 (inciso VII do Art. 4º) e na Resolução TSE 23.208/10 (inciso XII do Art. 2º), que permitem ao mesário liberar o voto por meio de uma senha.
De posse desta senha - igual para todas as urnas biométricas -, mesários desonestos simplesmente continuarão podendo votar por eleitores ausentes!
O TSE sempre divulgou que, em seus testes de campo, a taxa de liberação do voto por senha do mesário era menor que 1%, mas não foi isso que se ocorreu na eleição oficial.
Em 2010, 1º turno, a média nacional de votos liberados pelo mesário sem reconhecimento biométrico do eleitor foi de 7%, havendo inúmeros casos acima de 20% e casos extremos acima de 60%.
Apresentamos a seguir o cabeçalho de alguns Boletins de Urna oficiais de 2010:
Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [AL]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 27952
MARIBONDO
Zona Eleitoral: 0043
Local de Votação: 1040
Seção Eleitoral: 0034
Eleitores aptos: 0256
Comparecimento: 0223
Eleitores Faltosos: 0033
Habilitados por código: 0145
Código identificação UE: 00867464
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 17:42:03
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Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [AL]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 28517
QUEBRANGULO
Zona Eleitoral: 0028
Local de Votação: 1066
Seção Eleitoral: 0016
Eleitores aptos: 0305
Comparecimento: 0270
Eleitores Faltosos: 0035
Habilitados por código: 0160
Código identificação UE: 00866908
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 19:59:25
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Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [AL]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 27618
IGACI
Zona Eleitoral: 0045
Local de Votação: 1260
Seção Eleitoral: 0064
Eleitores aptos: 0399
Comparecimento: 0281
Eleitores Faltosos: 0118
Habilitados por código: 0128
Código identificação UE: 00869039
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 22:14:41
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Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [MA]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 08494
PAÇO DO LUMIAR
Zona Eleitoral: 0093
Local de Votação: 1163
Seção Eleitoral: 0082
Seções Agregadas: 0001
SEÇÕES AGREGADAS: 0251
Eleitores aptos: 0352
Comparecimento: 0330
Eleitores Faltosos: 0022
Habilitados por código: 0112
Código identificação UE: 01042343
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 18:24:54
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Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [MA]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 08494
PAÇO DO LUMIAR
Zona Eleitoral: 0093
Local de Votação: 1210
Seção Eleitoral: 0114
Eleitores aptos: 0288
Comparecimento: 0263
Eleitores Faltosos: 0025
Habilitados por código: 0105
Código identificação UE: 01041928
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 17:42:47
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Justiça Eleitoral
Tribunal Regional Eleitoral [PI]
Boletim de Urna
Eleições 2010 - 1º TURNO
(03/10/2010)
Município: 11673
PIRIPIRI
Zona Eleitoral: 0011
Local de Votação: 1449
Seção Eleitoral: 0172
Eleitores aptos: 0375
Comparecimento: 0303
Eleitores Faltosos: 0072
Habilitados por código: 0083
Código identificação UE: 00879705
Data de abertura da UE: 03/10/2010
Horário de abertura: 08:00:00
Data de fechamento UE: 03/10/2010
Horário de fechamento: 20:58:26
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Nesses exemplos acima, a liberação de votos pelo mesário sem que tivesse havido reconhecimento da biometria do eleitor chegou a ocorrer com um terço e até dois terços dos votos da urna, conforme tabela abaixo:
Município | Estado | Zona | Seção | Comparecimento de votantes | Habilitados por senha do mesário | % de eleitores não identificados por biometria | Encerramento da votação |
Marimbondo | Alagoas | 43 | 34 | 223 | 145 | 65,0 % | 17:42:03 |
Quebrangulo | Alagoas | 28 | 16 | 270 | 160 | 59,3 % | 19:59:25 |
Igaci | Alagoas | 45 | 64 | 281 | 128 | 45,6 % | 22:14:41 |
Paço do Lumiar | Maranhão | 93 | 114 | 263 | 105 | 39,9 % | 17:42:47 |
Paço do Lumiar | Maranhão | 93 | 82 | 330 | 112 | 33,9 % | 18:24:54 |
Piripiri | Piauí | 11 | 172 | 303 | 83 | 27,4 % | 20:58:26 |
Esses exemplos deixam claro que as urnas biométricas não conseguem "excluir a possibilidade de uma pessoa votar por outra".
4. O que a propaganda oficial não diz
Para justificar os enormes gastos com a biometria, em sua propaganda, a autoridade eleitoral repete com insistência a falsa informação de que o uso da biometria no processo eleitoral vai acabar de vez com a possibilidade de que alguem vote no lugar de um eleitor ausente.
O que a publicidade oficial não mostra é que:
- Embora toda a tecnologia de biometria utilizada pelo TSE (sofware e hardware) venha do exterior, nos países de origem dessa tecnologia urnas biométricas não são usadas porque não se admite fazer a identificação do eleitor no mesmo equipamento de coleta do voto.
- Todas as 312 mil urnas biométricas de modelo UE2009 foram compradas em desrespeito à lei (que impede que a identificação do eleitor seja feita no mesmo equipamento de coleta do voto).
- A fraude do mesário, que cresce a cada eleição, continua sendo possível.
- O titulo de eleitor continua não tendo a foto do eleitor, o que o tornou um documento inútil e dispensável, como ocorreu na eleição de 2010.
- A biometria nas eleições vai, no mínimo, dobrar o custo de cada eleição.
- O TSE coleta e mantem em arquivo as impressões digitais dos 10 dedos de cada eleitor, embora só use 4 delas nas urnas eletrônicas.
- O TSE coleta e mantem em arquivo foto em alta resolução de cada eleitor, embora só use para imprimir em formato 2x2 de baixa resolução nas folhas de votação.
- Todos esses dados digitais dos eleitores são coletados e arquivados em padrão determinado pelo FBI norte-americano.
- O custo para manter esses arquivos de alta segurança, mas inúteis, é altíssimo.
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Amílcar Brunazo Filho, engenheiro, membro do CMIND, é representante técnico do PDT junto ao TSE e coordenador do Fórum do Voto-E na Internet
* Maria Aparecida Cortiz, advogada, membro do CMIND, é advogada do PDT junto ao TSE
* Marco Antonio de Carvalho, Analista de Sistema com experiência na fiscalização de sistemas eleitorais e membro do CMIND